05 julho 2012

ARTE TRANSHUMANISTA: STELARC

[...] em tempos de mutação, há que se ficar bem perto dos artistas. Neste momento histórico-antropológico, que alguns chamam de terceiro ciclo evolutivo [...], temos de prestar atenção no que estão fazendo os artistas que se situam na ponta-de-lança da cultura, pois são eles os primeiros a enfrentar face a face os horizontes da incerteza, são eles que estão criando as novas imagens do humano e de seus ambientes no vórtice das atuais transformações.
(Lúcia Santaella no Prefácio de Arte e mídia: perspectivas da estética digital)


Recentemente, com o avanço técnico permitindo modificações cada vez mais profundas, o desejo de transcender as capacidades humanas tem se tornado passível de realização. Mesmo assim em nenhuma época os filósofos, cientistas da computação, neurocientistas, nanotecnólogos, pesquisadores de vanguarda em desenvolvimento tecnológico e artistas, anunciam a obsolência do corpo humano com tanta convicção. Neste sentido, desde o final do século passado, um novo movimento cultural começou a se delinear: o Transhumanismo - uma filosofia emergente que incentiva o uso da ciência e da tecnologia para superar as limitações humanas e, assim, poder melhorar a própria condição humana.


A partir da segunda metade do século passado alguns artistas começaram a trabalhar com uma arte confluente com a ciência e a tecnologia – a Artemidia -, de caráter experimental, produzida em laboratórios científicos e estúdios criados pelos artistas. Além de artistas dessa nova mídia eles também podem ser vistos como cientistas.

STELARC

As artes plásticas contemporâneas comportam, muitas vezes, uma mise-en-scène do artista e de sua própria imagem. Entre os inúmeros artistas que participam desse movimento, está o australiano Stelarc, que utiliza o seu próprio corpo como um suporte, ou como uma superfície de transformação e de criação.

VIDEO: O CORPO HUMANO É OBSOLETO



Stelarc (1946, Limassol, Chipre) é um artista performático, radicado na Austrália, que está interessado na arquitetura pós-evolucionária do corpo. Suas obras concentram-se no futurismo e na extensão das capacidades humanas. Ele tem sondado visualmente e acusticamente amplificado seu corpo. Entre 1975 e 1976 realizou três filmes introduzindo 3 metros de sondas em seu pulmão, estômago e cólon. Entre 1976 e 1988, completou 25 performances corporais de suspensão com ganchos introduzidos na propria pele, em diferentes posições, situações e locais.

VIDEO: STOMACH SCULPTURE



Em Stelarc, vemos o corpo suspenso do solo através de ganchos metálicos atravessados em sua pele ou, ainda, o implante de uma terceira mão robótica que, ativada por impulsos elétricos provenientes de sua musculatura abdominal, após três meses de treino, permitiu a utilização de suas três mãos para assinar o próprio nome. Deste modo, o artista declara a insuficiência da anatomia humana. A necessidade da implementação de próteses artificiais. O corpo híbrido.


A maioria de suas obras é centrada em torno do conceito de que o corpo humano é obsoleto. Ao declarar a obsolência do corpo biológico, Stelarc afirma que “simplesmente o corpo criou um ambiente de informação e tecnologia com o qual não mais consegue lidar. Esse impulso para acumular de forma contínua mais e mais informação criou uma situação na qual a capacidade da córtex humana simplesmente não consegue absorver e processar de forma criativa toda essa informação. Foi necessário criar tecnologia para fazer aquilo que o corpo não mais consegue realizar. Ele criou uma tecnologia que supera em muito algumas capacidades dele mesmo. A única estratégia evolucionista que vejo e (...) incorporar a tecnologia ao corpo (...) tecnologia ligada simbioticamente e implantada no corpo cria uma nova síntese evolucionária, cria um híbrido humano – o orgânico e o sintético se unindo para criar um novo tipo de energia evolucionária.” (Stelarc, 2003).

VIDEO: TRANSHUMANISM: MORE THAN HUMAN? - PARTE-1



VIDEO: TRANSHUMANISM: MORE THAN HUMAN? - PARTE 2



Stelarc tem se utilizado de instrumentos médicos, próteses, robótica, sistemas de realidade virtual, a Internet e a biotecnologia para explorar alternativas, interfaces íntimas e involuntárias com o corpo. Em suas performances, além de uma terceira mão robótica (“Third Hand”, 1980-1997), ele já atuou com um braço virtual (“Virtual Arm”, 1991-1992), uma escultura estomacal (“Stomach Sculpture”, 1993) e um exoesqueleto (“Exoskeleton”, 1997-2006) - um robô que utiliza 6 pernas para caminhar.

DOCUMENTÁRIO: STELARC – PSYCHO CYBER (1996)



Em “Fractal Flesh” (1995), “Ping Body” (1996) e “Parasite” (1997), ele explorou a coreografia involuntária, o controle remoto e a Internet do corpo com a estimulação elétrica dos músculos.
Suas obras têm sido saudadas por sua capacidade de envolver uma ampla audiência, inclusive com a concordância para que internautas se integrem na exibição e controlem os eletrodos conectados ao seu corpo.

VIDEO: “PING BODY” (DOCUMENTAÇÃO TÉCNICA)



Sua obra “Prosthetic Head” (2003 - 2011) é um agente conversacional encarnado que fala para a pessoa que interrogá-lo. Esta obra tornou-se uma plataforma de pesquisa para o projeto “Thinking Head” (cabeça pensante). Em outra incorporação robótica recente, “Articulated Head” (Cabeça Articulada), de 2010-2011, foi finalista no Australian Engineering Excellence Awards, 2010.

VIDEO: FROM THINKING HEADS TO SWARMING HEADS



Atualmente Stelarc está construindo, cirurgicamente, uma orelha em seu braço (“Ear on Arm” 2006-2011), onde será acoplado um microfone habilitado na Internet, tornando-o um ouvido acústico, acessível publicamente à todas as pessoas, em qualquer lugar.Também, tem realizado performances com o seu clone-avatar a partir do site Second Life.

VIDEO: EAR ON ARM, ENGINEERING INTERNET ORGAN (2008)



Em 1997 foi nomeado professor honorário de Arte e Robótica da Universidade Carnegie Mellon, Pittsburgh.
Em 2002, 2003 e 2004 Stelarc realizou o ‘Visiting Artist positions in Art and Technology’, na Faculdade de Arte e Design na Universidade do Estado de Ohio, em Columbus. Também foi pesquisador principal na ‘Performance Arts Digital Research Unit’ e professor convidado na Nottingham Trent University, no Reino Unido, no período entre 2000 e 2003.
Em 2003 foi agraciado com um doutoramento honoris causa em legislação pela Monash University. Em 2004 foi premiado com dois anos no ‘New Media Arts Fellowship’.
Em 2005, a MIT Press publicou “Stelarc: The Monograph” que foi o primeiro estudo completo da produtiva obra do artista. A publicação inclui imagens das performances e entrevistas com vários escritores, incluindo William Gibson, que relembra seus encontros com Stelarc.


Em 2010 recebeu do ‘Australia Council New Projects’ uma concessão para desenvolver um micro robô, e ganhou o “Prix Ars Electronica Hybrid Arts Prize”.
Atualmente é catedrático em Arte da Performance na Brunel University, em Uxbridge, no Reino Unido. Ele também é pesquisador associado senior e artista visitante no MARCS Auditory Labs na University of Western Sydney, na Australia.

DOCUMENTÁRIO: ART, DESIGN, FUTURE OF MAN



Para Hans Moravec, especialista em robótica, o desenvolvimento da máquina é precisamente a salvação da humanidade.
“Somos infortunados híbridos, em parte biológicos, em parte culturais: muitos traços naturais não correspondem às invenções de nosso espírito. Nosso espírito e nossos genes talvez compartilhem objetivos comuns ao longo de nossa vida. Mas o tempo e a energia dedicados à aquisição, ao desenvolvimento e à difusão das idéias contrastam com os esforços dedicados à manutenção de nossos corpos e à produção de uma nova geração.” (Moravec, apud Breton, In Novaes, 2003, p.126).

VIDEO: EXPOSIÇÃO “MÉCANIQUES DU CORPS” (2009)



Entre abril e junho de 2009 o Centre des Arts em Paris apresentou “Mécaniques du Corps” - exposição retrospectiva da obra de Stelarc. A mostra incluiu 30 anos de experimentos do artista com tecnologia robótica e o seu próprio corpo.

VIDEO: PERFORMANCE ‘EAR ON ARM SUSPENSION’ (2012)



Em 2012, Stelarc realizou sua 26ª performance de suspensão na Scott Livesey Gallery em Melbourne, na Austrália.
Com 16 ganchos de tubarão trespassando suas costas, cotovelos e pernas, o artista foi suspenso por cabos e içado por uma manivela acima de uma enorme escultura (a maquete de seu próprio braço com a terceira orelha incorporada). Na apresentação, as expressões da dor física experimentada por ele, desencadeava a ansiedade palpável entre o público de 40 convidados presentes.

VIDEO: CIRCULATING FLESH - THE CADAVER, THE COMATOSE & THE CHIMERA


Nenhum comentário: